DIÁRIO DE VIAGEM DO JORNALISTA NUNO FERREIRA (EX-EXPRESSO, EX-PÚBLICO) QUE ATRAVESSOU PORTUGAL A PÉ ENTRE FEVEREIRO DE 2008 E NOVEMBRO DE 2010. O BLOG INCLUI TODAS AS CRÓNICAS PUBLICADAS NA REVISTA "ÚNICA" EM 2008, BEM COMO AS QUE SÃO PUBLICADAS SEMANALMENTE NO SITE CAFÉ PORTUGAL. (Travel diaries of Nuno Ferreira, a portuguese journalist who crossed Portugal on foot from February 2008 to November 2010. contact: nunoferreira62@gmail.com ou nunocountry@gmail.com

30/03/09

ENFIM...O MAR...

Depois de tantas serras, no topo da Cruz Alta, no Buçaco, senti pela primeira vez não só o apelo do mar como a sensação de estar lá perto. Um grupo de crianças e respectivos monitores de uma Escola Básica de Febres ouviam o motorista a explicar onde ficava Febres, Cantanhede. De repente, apontou para a linha azulada e desfocada lá ao fundo e disse: "E ali, é o mar". A quantos quilómetros? O homem coçou a cabeça: "Em linha recta? Uns 50 quilómetros". Deixei o Luso da época baixa posto em sossego- "eles só querem é vender a água, esqueceram-se de modernizar as termas" e avancei em direcção à Mealhada.
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A caminho da Praia do Furadouro, Março de 2009

Largar a serra e enveredar pelo litoral mais industrializado e por estradas movimentadas também tem os seus inconvenientes. Passei a ver, saídas dos eucaliptos ou postadas em curvas estratégicas, prostitutas de estrada. Num caso concreto, passei a tempo de ver um BMW de alta cilindrada a saír de um atalho de terra batida onde ficou uma jovem. À medida que avançava em direcção a Cantanhede, o trânsito aumentava. A EN 234 já me tinha trazido dissabores na zona mais industrializada de Mangualde-camiões, viaturas ligeiras em velocidade-, curvas e contra-curvas entre Mortágua e o Luso e agora, de novo, a civilização. Desisti de percorrer a recta incaracterística que liga Cantanhede a Mira e enveredei pela Gândara profunda: mulheres vestidas de bata e chapéus de palha passando de bicicleta,motoretas V5 Famel-Zundapp com aquelas capas para a chuva conduzidas por homens com capacetes de outras eras, vivendas de emigrantes da Venezuela com azulejos de Simão Bolívar, igrejas brancas, terrenos verdes e férteis roubados ao mar e aquele sotaque da beira-mar aveirense: "Andas a pé? Bais escrever aqui o teu endereço, o meu primo em França bai gostar de ber, ele também tem uma página sobre aqui a nossa terra (Covão do Lobo). E faz boa viagem e que Deus te acompanhe!"
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À medida que me ia aproximando de Vagos, pelo dédalo de casas baixas com a porta para a entrada do gado e vivendas de azulejos azuis e bandeiras de Portugal e Venezuela, foram aparecendo sinais desportivos diferentes: emblemas do Futebol Clube do Porto, como até agora nunca vira e, claro, posters do Beira-Mar: "Esta foto aqui", disse-me o dono de uma pequena bomba de gasolina perdida na planície e depois de a ir buscar a uma prateleira alta, "esta aqui é dos anos 90. O Rodolfo era o treinador? Tás a ver o Dinis, o das barbas, como defesa central? E ainda foi no velho Mário Duarte, é anos 90, de certeza".
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Em Vagos já cheira a maresia. Há uma longa ciclovia ligando Vagos à Vagueira e à Praia da Vagueira, rodeada pelos pinheiros da mata de Vagos. Percebi que estava a chegar à Vagueira quando vi um barco da pesca da Xávega. Uns passos mais à frente atravessava os prédios incaracterísticos da Vagueira e estava de frente para o mar, o mar de Aveiro, homens de casaco aos quadriculados meio empoleirados nas bicicletas a comentar o estado das ondas, o vento. A pesca da xávega na Vagueira ainda não havia começado mas apenas a possibilidade de alcançar de novo o vai-vém azul e branco das marés reconfortou-me. Isso e uma bela caldeirada de enguias à beira da minúscula, quase artesanal lota da Vagueira. A viagem continua, agora com o cheirinho a maresia, sal a varrer-me as narinas e areia aveirense a entranhar-se-me no cabelo.
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